Meus livros são difíceis de
vender. Não faço trocas ou vendas daqueles que já li e dos quais quero me
livrar, não só porque sou um péssimo negociante, mas porque eles raramente
resistem às minhas leituras ilesos. Quase todos os que tenho estão um tanto danificados. É esse o motivo pelo qual jamais peço
livros emprestados, a não ser de bibliotecas.
Talvez eu seja sim, muito
descuidado com meus livros. Não tenho muita paciência para usar plásticos ou
capas protetoras, prestar atenção aos 90º da abertura ou com a limpeza das
lombadas. O dia-a-dia quase me roubou a leitura. Em determinado momento da vida
vi que estava passando muito tempo em lugares em que pouco podia desenvolver a
atenção que gostaria em minhas leituras. E tive que decidir se lia ou esperava
minha vida dar uma guinada para a situação de ganhar muito, trabalhar pouco e
poder me dedicar ao tempo e aos cuidados à minha leitura, incluindo a
conservação do objeto livro.
Assim, passei a ler de pé em
ônibus lotados, onde o equilíbrio é mínimo, principalmente quando ninguém quer
segurar suas coisas. Passei a ler de pé em filas mil, de banco, de hospital, de
casa lotérica. Quando estou em filas, geralmente me perco na leitura e preciso
jogar o livro dentro da mochila rapidamente quando chega a minha vez. Passei a
ler no trabalho, onde é proibido, optando por livros menores que preciso
esconder no bolso ao menor sinal do chefe...
Meus livros são amassados,
sujos, algumas vezes riscados, frequentemente rasgados em algum ponto da capa.
Não pude me dar ao luxo de desenvolver aquele tão celebrado fetiche pela
integridade física do livro, o qual os sites e canais na web tornaram tão caro.
Se você me perguntar se
sinto falta de ter livros bonitos e apresentáveis na minha estante, certamente
vou dizer que sim. Se eu estiver num dia bom. Mas posso apostar que seu livro
favorito, aquele que você leu várias vezes, que sabe que vai ler ainda mais
algumas, esse livro está marcado. Essas marcas são suas digitais. Ninguém mais
as poderia ter feito. São seus rabiscos, sua sujeira, aquele canto de página
encardido, atestando o número incontável de vezes que você retornou a ela e
releu aqueles trechos. E se existe uma lágrima borrando o papel então...
Talvez eu tenha sim algum
fetiche ligado a livros. Mas aos livros companheiros. Aqueles que compartilham
conosco nossas imperfeições, que ficam marcados como nós mesmos ficamos ao
longo do caminho traçado. Aqueles que carregam cicatrizes semelhantes às nossas
porque estavam lá.