sábado, 25 de novembro de 2017

MEUS LIVROS FERIDOS





Meus livros são difíceis de vender. Não faço trocas ou vendas daqueles que já li e dos quais quero me livrar, não só porque sou um péssimo negociante, mas porque eles raramente resistem às minhas leituras ilesos. Quase todos os que tenho estão um tanto danificados. É esse o motivo pelo qual jamais peço livros emprestados, a não ser de bibliotecas.  

Talvez eu seja sim, muito descuidado com meus livros. Não tenho muita paciência para usar plásticos ou capas protetoras, prestar atenção aos 90º da abertura ou com a limpeza das lombadas. O dia-a-dia quase me roubou a leitura. Em determinado momento da vida vi que estava passando muito tempo em lugares em que pouco podia desenvolver a atenção que gostaria em minhas leituras. E tive que decidir se lia ou esperava minha vida dar uma guinada para a situação de ganhar muito, trabalhar pouco e poder me dedicar ao tempo e aos cuidados à minha leitura, incluindo a conservação do objeto livro.

Assim, passei a ler de pé em ônibus lotados, onde o equilíbrio é mínimo, principalmente quando ninguém quer segurar suas coisas. Passei a ler de pé em filas mil, de banco, de hospital, de casa lotérica. Quando estou em filas, geralmente me perco na leitura e preciso jogar o livro dentro da mochila rapidamente quando chega a minha vez. Passei a ler no trabalho, onde é proibido, optando por livros menores que preciso esconder no bolso ao menor sinal do chefe...

Meus livros são amassados, sujos, algumas vezes riscados, frequentemente rasgados em algum ponto da capa. Não pude me dar ao luxo de desenvolver aquele tão celebrado fetiche pela integridade física do livro, o qual os sites e canais na web tornaram tão caro.

Se você me perguntar se sinto falta de ter livros bonitos e apresentáveis na minha estante, certamente vou dizer que sim. Se eu estiver num dia bom. Mas posso apostar que seu livro favorito, aquele que você leu várias vezes, que sabe que vai ler ainda mais algumas, esse livro está marcado. Essas marcas são suas digitais. Ninguém mais as poderia ter feito. São seus rabiscos, sua sujeira, aquele canto de página encardido, atestando o número incontável de vezes que você retornou a ela e releu aqueles trechos. E se existe uma lágrima borrando o papel então...

Talvez eu tenha sim algum fetiche ligado a livros. Mas aos livros companheiros. Aqueles que compartilham conosco nossas imperfeições, que ficam marcados como nós mesmos ficamos ao longo do caminho traçado. Aqueles que carregam cicatrizes semelhantes às nossas porque estavam lá.