sábado, 25 de novembro de 2017

MEUS LIVROS FERIDOS





Meus livros são difíceis de vender. Não faço trocas ou vendas daqueles que já li e dos quais quero me livrar, não só porque sou um péssimo negociante, mas porque eles raramente resistem às minhas leituras ilesos. Quase todos os que tenho estão um tanto danificados. É esse o motivo pelo qual jamais peço livros emprestados, a não ser de bibliotecas.  

Talvez eu seja sim, muito descuidado com meus livros. Não tenho muita paciência para usar plásticos ou capas protetoras, prestar atenção aos 90º da abertura ou com a limpeza das lombadas. O dia-a-dia quase me roubou a leitura. Em determinado momento da vida vi que estava passando muito tempo em lugares em que pouco podia desenvolver a atenção que gostaria em minhas leituras. E tive que decidir se lia ou esperava minha vida dar uma guinada para a situação de ganhar muito, trabalhar pouco e poder me dedicar ao tempo e aos cuidados à minha leitura, incluindo a conservação do objeto livro.

Assim, passei a ler de pé em ônibus lotados, onde o equilíbrio é mínimo, principalmente quando ninguém quer segurar suas coisas. Passei a ler de pé em filas mil, de banco, de hospital, de casa lotérica. Quando estou em filas, geralmente me perco na leitura e preciso jogar o livro dentro da mochila rapidamente quando chega a minha vez. Passei a ler no trabalho, onde é proibido, optando por livros menores que preciso esconder no bolso ao menor sinal do chefe...

Meus livros são amassados, sujos, algumas vezes riscados, frequentemente rasgados em algum ponto da capa. Não pude me dar ao luxo de desenvolver aquele tão celebrado fetiche pela integridade física do livro, o qual os sites e canais na web tornaram tão caro.

Se você me perguntar se sinto falta de ter livros bonitos e apresentáveis na minha estante, certamente vou dizer que sim. Se eu estiver num dia bom. Mas posso apostar que seu livro favorito, aquele que você leu várias vezes, que sabe que vai ler ainda mais algumas, esse livro está marcado. Essas marcas são suas digitais. Ninguém mais as poderia ter feito. São seus rabiscos, sua sujeira, aquele canto de página encardido, atestando o número incontável de vezes que você retornou a ela e releu aqueles trechos. E se existe uma lágrima borrando o papel então...

Talvez eu tenha sim algum fetiche ligado a livros. Mas aos livros companheiros. Aqueles que compartilham conosco nossas imperfeições, que ficam marcados como nós mesmos ficamos ao longo do caminho traçado. Aqueles que carregam cicatrizes semelhantes às nossas porque estavam lá.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

NOSSAS VIDAS DE PAPEL - por Ed de Vortex


Não lembro quando decidi ler John Green. Para mim parecia algo obrigatório, já que nunca acompanhei direito os livros “da moda” e queria conferir melhor o que há alguns anos tem crescido a olhos vistos como um novo gênero na literatura, o chamado YA.
Essa é a sigla para young adults ou, se preferir, jovens adultos, no nosso bom e velho Português, e supostamente indica um tipo de texto direcionado a pessoas que se encontram na pós-adolescência, período entre o final do Ensino Médio e os primeiros anos de faculdade. Tudo isso eu tenho capturado de comentários, de forma muito superficial e os mais entendidos em YA deverão com razão se manifestar, mas pelo pouco que pude constatar dos livros que usam essa abordagem, não passa muito do que se lê por aqui há tempos e que ninguém se deu ao trabalho de destacar da classificação de infanto-juvenil.
E a verdade é que não importa. Quem liga se Júlio Emílio Braz, ou Ganymédes José, ou Giselda Laporta Nicolelis é YA, infanto-juvenil ou o escambal a quatro se o texto continua sendo bom?
E John Green é muito bom. Logo nas primeiras páginas de Cidades de Papel é possível entender que a linguagem não pretende ir muito além. No começo, fiquei meio incomodado com isso por achar que era uma forma do autor subestimar a capacidade de envolvimento do seu público-alvo com um estilo mais rebuscado. Mas isso logo vai embora quando Green começa a jogar com elementos mais fortes e deixa claro que o que deseja é fazer um grande contraste entre o estado inicial dos personagens e as transformações que vão sofrendo ao longo da história.
Quentin, mais conhecido como apenas Q, é um adolescente no último ano do Ensino Médio que passa seus dias jogando videogame com os dois melhores amigos Ben, o sem-noção que sonha em ser popular antes de se formar no ginásio e Radar, o geek obcecado em alimentar o Omnidictionary, uma espécie de versão johngreeniana da Wikipedia, e cujos pais são os maiores colecionadores de papais noeis negros dos EUA. Quentin alimenta uma paixão completamente anacrônica por Margo Roth Spielgeman, a garota mais popular do colégio. Os dois, apesar de não se falarem há anos, possuem sim uma ligação, pois quando eram melhores amigos de infância, longe das pressões do ingrato sistema de castas sociais do ambiente escolar americano, acabaram encontrando no parque o corpo de um homem que cometera suicídio. O evento marcou os dois de forma diferente, mas também os manteve ligados, apesar do distanciamento que a adolescência acarretou.
Até que numa madrugada Margo invade o quarto de Quentin e pede que ela a ajude em onze tarefas ao longo da noite. As tarefas consistem em vingar-se dos inimigos de Margo, incluindo seu ex-namorado traidor e terminar invadindo o Sea World (eles moram em Orlando). Quentin se mostra relutante, mas aceita colaborar com sua linda e persuasiva musa. O problema é que no dia seguinte a menina some completamente. Seu sumiço provoca uma série mudanças, não só na dinâmica de relações de amizade da escola, às vésperas da formatura, mas também na mente de Quentin. Margo deixa uma série de pistas para Quentin, que entende que ela deseja ser encontrada por ele. Enquanto tenta desvendar o mistério do paradeiro de Margo, ele vai descobrindo várias camadas na personalidade dela que ficavam escondidas por trás de seu status. Então, a menina mais bonita e superficial da escola acaba se revelando cheia de grandes pensamentos, apreciadora de folk, poesia e viagens.
O Clube dos Cinco. 
Depois de passear mais uma vez pela saturadíssima e incansavelmente explorada problemática popularidade/bullying/aceitação, que é um pouco pano de fundo da história, ficamos com a impressão de que já vimos isso milhares de vezes. Jovens descobrindo a si mesmos e seus semelhantes numa jornada de transformação, dura e complicada para uns, fascinante e aventuresca para outros. Como em “Curtindo a Vida Adoidado” e “Clube dos Cinco”, famosos filmes de adolescentes de John Hughes dos anos 80. Mas Cidades de Papel é para ser assim mesmo.
Quando Margo vai embora deixando seus rastros para Q, ela não quer apenas ser encontrada. Ela quer que ele se encontre. Quer que ele trace uma jornada própria em que o destino pouco importa, mas sim o próprio caminhar, o crescimento, a descoberta. E foi a esse caminhar traçado por Green que me liguei mais.
Não foi só Margo que deixou pistas, mas o próprio autor plantou algumas. Posso apostar, por exemplo, que o nome da Dra. Holden a quem Quentin pede auxílio para tentar desvendar as intenções de Margo ao usar um poema de Walt Whitman, é uma alusão a Holden Caulfield, de Apanhador no Campo de Centeio. Margo seria um reflexo do mais ilustre personagem de J.D Salinger, sempre apontando seu dedo questionador para a falsidade das pessoas e nada mais pertinente aqui do que brincar com essa referência. É engraçado pensar também na possibilidade de Cidades de Papel já ter deixado alguma marca na cultura pop, principalmente quando Margo, um exemplo de mulher impetuosa e livre, aprecia Mountain Dew (energético vendido lá pelos EUA) e Nova York, cita Whitman e questiona o modo de vida americano, e Lana Del Rey, uma cantora pós-2008 (ano de publicação do livro) com características semelhantes à personagem, também o faz em seu primeiro grande disco.
Os Vlogbrothers. Green não é o de verde ;)
John Green parece ser em sua vida o mesmo tipo de nerd que Quentin representa. Uma pessoa centrada e sensata, empática com os problemas dos outros e do mundo, mas tentando provocar pequenas mudanças de dentro mesmo de sua zona de conforto. Tem seu Vlogbrothers, o canal de vídeos em que discute com o irmão vários temas, inclusive humanitários e com isso arrastou uma legião de fãs que por sua vez integram os Nerdfighters, que acabaram se mobilizando para ajudar pessoas também. Não acompanho o canal, nem tampouco me considero um nerdfighter, mas querendo ou não, aqui estou eu, de frente para o computador, encaixado talvez na mesma categoria de nerd a que John Green pertence. E sempre compartilhei do fascínio por essas figuras incríveis que vez por outra invadem nossas vidas e nos avisam que precisamos sujar nossos pés de lama, sermos mordidos por cobras, invadir as cidades de papel e acordar as pessoas de papel que nelas vivem.
Aqui, Margo é a personagem que menos aparece fisicamente, mas acaba sendo a personagem mais importante. É em torno da concepção de vida dela que o enredo se constrói. Duas das três partes em que se divide o livro, O Fio e A Relva, por exemplo, representam metáforas dela para o significado da vida e das relações entre as pessoas e mostram Q traçando sua trajetória a partir desse ponto de vista. A última parte, porém, O Navio, é uma metáfora construída por ele, para nos dizer que esses dois personagens se completam, que não podem alcançar a plenitude sozinhos, por mais que tentem. E que viver é ligar-se ao outro, embora nem sempre isso signifique estar perto.
Mas para mim, que fui apaixonado por mais de uma Margo ao longo de minha vidinha de papel, o presente mais delicioso de Green foi nos dar esta que é uma mulher de papel, tão imperfeita, humana, que a gente quase sente ser de verdade.
Espero que o filme seja tão bom quanto o livro.

Trecho:
”Você sabia que na maior parte de toda a história da humanidade a expectativa média de vida foi inferior a trinta anos? Você podia contar “com mais ou menos uns dez anos de vida adulta, certo? Não havia planos de aposentadoria. Não havia planos de carreira. Não havia planos. Não havia tempo para planejar. Não havia tempo para o futuro. Mas aí a expectativa de vida começou a aumentar, e as pessoas começaram a ter mais e mais futuro e a passar mais tempo pensando nele. No futuro. E agora a vida se tornou o futuro. Todos os momentos da vida são vividos no futuro: você frequenta a escola para entrar na faculdade para arrumar um bom emprego para comprar uma casa legal e mandar os filhos para a faculdade para que eles consigam arrumar um bom emprego para comprar uma casa legal para mandar os filhos para a faculdade.” – fala de Margo.

Margo e Quentin no filme...



quinta-feira, 28 de maio de 2015

A JORNADA DO CARCAMANO - por Ed de Vortex

O homem...
No início dos anos 2000, quando eu ouvia a expressão “Dago Red”, havia nela um significado que ia além das palavras. Era uma das melhores bandas locais que já tinha ouvido e para mim isso bastava.
O filme...
Mais ou menos na mesma época, fiquei sabendo de um filme com o Colin Farrell e a Salma Hayek sobre a sofrida jornada de um aspirante a escritor na Los Angeles dos anos 30. Era Pergunte ao Pó. Fiquei interessado na história, esperei ver o filme no cinema, mas como não houve muito alarde a respeito, nem sei se estreou por aqui. E apesar de até hoje ainda não tê-lo visto, um nome ficou marcado em minha mente que, na época, não tinha referências para associar uma das minhas bandas favoritas ao escritor (quase personagem) do filme que me tocou sem mesmo ter visto.
Passados mais de dez anos, numa das inúmeras pequenas coincidências que acontecem comigo, acabei achando na casa da minha mãe o cd da banda. Antigo e injustamente esquecido pelo meu irmão no fundo de uma caixa mofada, estava o espírito de uma época que ecoou de novo em meus ouvidos e fez meu coração bater mais forte.
A Banda...
Na mesma semana, ao buscar livros de contos , trombei com um Fante. Lembrei-me do escritor e do filme, ambos escondidos na mente, ambos ainda não explorados. O livro era Vinho da Juventude. Quando folheei, a primeira coisa que li foi: “Dago Red”. Para mim isso foi mais que um chamado.
Ao longo dos vinte contos de O Vinho da Juventude, a vida de Fante se desvela diante de nossos olhos com humor, poesia e um pouco da sordidez de um tempo em que a família era o pilar da Sociedade Civilizada, mas dentro da qual pequenos barbarismos estavam tão consolidados que pareciam quase ser a liga dessa instituição, hoje tão mais frágil. Ali, Fante usa Jimmy Toscana, um de seus famosos alter egos para narrar, nas aventuras, percalços e dramas autobiográficos, o duro processo de crescimento. Na voz inocente, deslumbrada e por vezes duvidosa do menino Jimmy, essas histórias nos aparecem na forma de um retrato muito humano da época e daquele seu limitado nicho social.
Finalmente conheci o significado da expressão “dago”, que indica uma designação depreciativa para as pessoas de origem italiana semelhante a “carcamano”. E “red” associado é uma menção ao vinho de mesma origem, muito apreciado na época da Lei Seca. Dago Red, portanto, foi o título escolhido para a primeira parte do volume, onde estão as memórias de Jimmy no convívio com os demais membros da família Toscana, os pequenos arroubos de delinquência junto aos colegas de rua e a rígida disciplina Católica recebida na escola. Tudo aparentemente em ordem cronológica, embora uma das poucas, porém mais valiosas referências temporais seja a linguagem e a elaboração de pensamentos de Jimmy que evolui à medida que sua idade avança a cada conto.
A segunda parte, Histórias Tardias, traz contos com a mesma temática e ambiente dos anteriores, porém com outros alter egos. Os dois últimos contos formam uma curiosa composição que nos delicia ao imaginarmos que Fante os pôs em sequência para que apreciássemos o funcionamento de seu processo criativo.  Em O Sonhador, o narrador, um escritor às voltas com um terrível bloqueio criativo, consegue extrair o material necessário para vencê-lo ao auxiliar seu vizinho que nutre uma paixão platônica por uma cantora de bar. No conto seguinte vemos o que seria a sutil e genialmente não expressa apresentação do material produzido por esse escritor. Em Helen, tua beleza..., o protagonista é um estivador que nutre uma paixão platônica por uma dançarina e é auxiliado em dado momento por um amigo escritor.
E assim descobri o gigante espectro de Fante.
O livro...

Ao ler O Vinho da Juventude senti-me tocado pelas vivências e impressões de mundo ali narradas (e mais especificamente daquele microuniverso ítalo-americano) de uma forma completa. Por mais específicas que fossem as passagens na vida de Jimmy Toscana, cada sentimento que ele expunha ou deixava implícito suscitava uma sincera identificação, como se ele mostrasse magistralmente que experiências humanas, emoções, medos e culpas são nossas marcas universais, aquilo que nos torna irmãos, pais e mães de uma mesma enorme e tempestuosa família Toscana. Com todo amor, ódio, negação e expectativas que uma família compartilha.
Isso aparece na fascinação edípica pela mãe em Sequestro em Família, confirmada na admiração pela figura quase onipresente do pai em toda sua autoridade arbitrária, viril, contraditória e machista. Esse mesmo machismo paquidérmico deixa vazar a humanidade e empatia nos sentimentos que se esforça para esconder em Um de Nós, sobre a morte precoce do primo de Jimmy, abalando toda a família. E em Odisseia de Um Carcamano, no qual vemos sua negação adolescente das raízes para então perceber a importância delas, o que se consolida na fé poética, nada mais que um abraço inevitável na maturidade a essas mesmas raízes em Ave Maria.
Sempre gosto de pensar que sei que estou diante de uma grande obra quando, ao desfrutá-la, não consigo controlar o fluxo de emoções misturadas. Dentro de sua destreza narrativa, Fante é capaz de despertar nossa empatia pelo drama vivido pelos personagens e ao acompanha-los em seus sofrimentos, as lágrimas podem rolar no rosto ao mesmo tempo em que gargalhamos pela forma tão sinceramente despojada como Jimmy nos conta esses momentos que, de outro modo seriam de angústia e dor. Dentro de sua própria mídia, um contemporâneo de Fante, Chaplin, dominava essa mesma capacidade da arte, de nos mover por dentro, de nos revirar e enxergar melhor aquilo do que somos feitos.
Fante perscrutou sua própria história, suas vivências, ao longo de sua carreira. Foi também roteirista de Hollywood e até sua morte devido a complicações do diabetes na década de oitenta, já cego e ditando seu último livro à esposa, ainda mantinha o vigor e o prazer de fazer de sua própria vida a matéria prima principal de sua escrita. Ele extraiu daí o sumo que se tornaria o melhor “carcamano vermelho” que se pode beber hoje. E como todo bom vinho, quanto mais velho, mais importante e saboroso se torna. Com O Vinho da Juventude pude ter minha primeira grande ressaca. E certamente não será a última.

Trecho:

“Vou olhar para meu ai por cima da borda da taça de vinho. Vou ver a mim mesmo. Conhecerei de novo a veia de crueldade e perfídia que corre dentro de mim olhando para meu pai. Vou olhar para as mãos do meu pai e um nojo e uma revolta se operarão dentro de mim, pois meu pai ainda tem as sementes da grandeza dentro de si, mas elas foram sufocadas pela perfídia e crueldade que , eu sei – sempre tarde demais -, habitam em mim. Meu pai vai captar o meu sentimento e em seus olhos poderei vê-lo refletido e ele verá o mesmo segredo em meus olhos e não teremos queixos fortes o suficiente para fitar um ao outro e deixar que aqueles dois pares de olhos colidam e matem o ar de emboscada que existe nos olhos de nós dois.” – conto: Lar Doce Lar

Livro: O Vinho da Juventude
Autor: John Fante

sábado, 18 de abril de 2015

O GATO E O DIABO, de James Joyce - Por Ed de Vortex



Uma das curiosidades que sempre tive é a de saber qual o primeiro contato das pessoas com um livro. Meu primeiro contato com um não representou minha primeira leitura, o que só aconteceu com “O Pequeno Príncipe”, bem depois. Mas foi algo que marcou minha infância como uma boa recordação de gente que eu amava, e também agora com a descoberta de que o primeiro livro que me puseram em mãos fora escrito por... James Joyce.
Foi durante o que antes se chamava de alfabetização que Tia Silene me deu o livrinho colorido com a figura do diabo na capa. Lembro-me de ter sentido um pequeno mal-estar pelo título e por ter o “coisa ruim” envolvido. A imagem evocava realmente coisas terríveis em minha mente infantil por causa de minha formação religiosa. Mas o fato de ter desdenhado o livro tinha mais a ver com meu interesse quase que exclusivo por quadrinhos àquela época. Aceitei de bom grado o presente da professora, com muita polidez, pois sabia do apreço dela por mim (que saudade, tia!). Mas assim que cheguei em casa, o livro foi parar no sofá e ficou lá por uns dois ou três dias.
Até que minha avó me chamou muito empolgada. Ela lera o livro, achou a historinha engraçada e veio me contar, acho que ela não sabia que o livro era meu. Mostrou-me as figuras, contou-me tudo o que havia lido e fiquei surpreso por perceber que também gostara do que estava escrito. Talvez tenha sido o momento em que me dei conta de que os quadrinhos não eram a única coisa legal para se ler.
Aquele exemplar infelizmente se perdeu e apenas o episódio ficou em mim como uma das muitas recordações que tenho de minha avó (que foi a pessoa que mais me incentivou a ler) e de Tia Silene (que eu queria muito poder reencontrar), mas felizmente eu pude reviver graças a esta edição de 2012 da Cosac Naify que é linda.
A tradução da Lygia Bojunga, autora que marcou presença em outros momentos de minha vida, faz jus ao que promete, pois apesar de ser um livro infantil, ela respeita duas coisas importantes nesta leitura: a capacidade de compreensão das crianças (que não é subestimada nem mesmo quando nomes e passagens em francês são mantidas) e o peso do nome de Joyce. E é curioso notar que o próprio autor escreveu a história (baseada num conto popular francês) em carta para seu neto Stephen. Ao que parece, a missiva foi enviada junto com um gato de brinquedo cheio de doces dentro, o que serviu de mote para que o escritor não perdesse a chance de contaminar o pequeno Stevie com o amor pela ficção. E não era isso que minha própria avó estava fazendo quando me chamou naquela tarde?

Mas o que realmente me encantou nesta edição foram as incríveis ilustrações em aquarela do mineiro Lelis. Tenho uma enorme afeição por aquarela e a arte do livro salta aos olhos já na capa com um gigantesco demônio vermelho fazendo levitar um pedaço da ponte que prometeu ao prefeito de Beaugency em troca da primeira alma que a atravessasse. Foi uma grande sacada ter representado o diabo com a imagem do próprio Joyce e os detalhes dos prédios e ruas consegue manter aquele equilíbrio do qual falei acima, respeitando tanto a visão da criança quanto o material ímpar forjado pelas mãos de um gênio conhecido. Acabei me tornando fã do Lelis, que apesar de ser um desenhista premiado (inclusive com o prêmio HQMix) eu só pude conhecer agora. Só aumenta o valor do presente. Se a edição que Tia Silene me deu contasse com o traço de Lelis, talvez eu não a tivesse deixado de lado naquele tempo.


O Gato e o Diabo é um daqueles exemplos de histórias infantis que não se preocupam em passar lições aos pequenos leitores. Hoje em dia, o compromisso de ter um “moral da história” no final é até combatido, inclusive por escritores que eu admiro como Neil Gaiman. Acho importante que crianças leiam histórias mais comprometidas e declaradamente educativas, mas é necessário que elas naveguem nesses mares ousados da ficção para que suas mentes se tornem alertas à diversidade em todos os sentidos.
Quando Joyce apresentou o conto a seu neto, tinha um objetivo que em sua mente estava claro. Talvez fosse mesmo despertar algo no menino, talvez fosse somente o de entretê-lo. O fato é que a história, que tem muito a ver com ganância, política e as artimanhas dos adultos, desempenha seu papel de diversas formas. E me pergunto se o irlandês autor de Ulysses tinha noção de que seu intuito para com Stevie se cumpriria, com tanta completude, para com tantas crianças ao longo destes quase oitenta anos. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A PRIMEIRA VEZ COM JANE AUSTEN - Por Renata Ferreira



Livro: Razão e Sensibilidade
Autora: Jane Austen

Razão e Sensibilidade é um livro sobre a relação entre duas irmãs que se amam (acredito!) mas, com suas personalidades bem distintas. Elinor é prática e racional, passa por cima dos próprios sentimentos. Marianne é pura emoção, vive como se não houvesse amanhã sem pensar nas consequências, uma romântica intensa.
O que mais me chamou a atenção foi sua descrição, de forma aparentemente fiel, dos costumes antigos da Inglaterra. Pode até ser um pouco estranho da minha parte, mas imaginar todas aquelas regras de como uma mulher deve se comportar e pensar é encantador, mostrando-me que, apesar da restrição que a mulher tinha em opinar, ela estaria preparada para qualquer situação que a vida viesse a oferecer.
Como minha primeira vez com Jane Austen foi uma primeira boa impressão. O livro não é entediante. Pelo contrário, é muito dinâmico, sempre acontecendo algo, sempre aparecendo alguém pra “se meter” na vida da família Dashwood, enfim, é um livro muito interessante.
Geralmente as histórias têm apenas um personagem principal, e tudo ocorre em torno daquele indivíduo. Em Razão e Sensibilidade, você pode escolher qual das duas é sua preferida, certo? Errado! Comigo isso não aconteceu. Elinor e Marianne têm um pouco de todos nós, e conviver com esses dois extremos é muito difícil.

Não há razão que seja inabalável quando o sentimento por alguém começa a florescer e, depois ver à sua frente a possibilidade de perder a única coisa que achava possível controlar. Por mais que nunca tenha tido uma prioridade. Talvez tenha sido isso o meu principal incentivo à leitura, não há nada melhor do que ler um livro que tem um algo de você. 


terça-feira, 14 de abril de 2015

Sobre #AsVantagensDeSerInvisível - Por Suzana Figs


"Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos" já disse uma vez Antoine de Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe.
Se alguém um dia me perguntasse qual o super poder que eu gostaria de ter eu responderia sem titubear: Invisibilidade.
Sempre gostei da ideia de ser invisível. E ser invisível para mim talvez traga essa ideia de ser especial porque posso ver coisas que os outros não podem. E poder ouvir as conversas alheias, de poder olhar nos olhos das pessoas e não me sentir sem graça. De poder fazer o que eu quiser e não ser julgada pelo olhar do outro. De ser eu mesma e ser também meus outros eus.
Bom, para mim essas eram algumas das vantagens de ser invisível.
Então um belo dia, dando scroll num grupo de leitura que eu acompanho no Facebook, li a respeito de um livro chamado AsVantagens de Ser Invisível. ^^
Nem li a sinopse, apenas o nome do livro me provocou e fui atrás. Imediatamente eu baixei o livro (um vício meu ) e comecei a ler. Achei o formato bem interessante. O personagem principal, Charlie (15 anos) escreve cartas para um amigo que ele não diz quem é ou pode ser um diário também. Quando eu li eu vi mais como um diário.
É meio como estar invisível e vendo Charlie escrever suas impressões particulares na sua intimidade. Mas pra falar a verdade, creio que fui fisgada mais pela frase "E quero que você saiba que sou feliz e triste ao mesmo tempo, e ainda estou tentando entender como posso ser assim" do que pela ideia da invisibilidade.
Bom, sou pisciana com ascendente em câncer e lua em escorpião, logo, melancolia é meu nome do meio. De cara me identifiquei com o personagem, porque também sou feliz e triste ao mesmo tempo e se a Astrologia não me explicasse eu teria que ir atrás do Dr. Freud.
 Fiquei curiosa sobre como Charlie lidaria com sua melancolia e dei continuidade à leitura. Assim, fui invadindo a vida íntima de Charlie, acabando por me sentir o próprio diário/amigo a quem ele escrevia. Era para mim que ele ia contando a sua relação com as pessoas na escola e com as pessoas de sua família. Oferecendo impressões muito maduras a respeito dos relacionamentos humanos e como algumas pessoas boas se envolvem com pessoas não tão boas assim porque não tem consciência do próprio valor. Charlie tem uma percepção sensivelmente aguçada para as experiências que nos tornam demasiadamente humanos.
Durante esse seu processo de amadurecimento e descobertas, Charlie conhece dois amigos: Sam e Patrick. Pessoas que passam a querer saber sobre suas coisas favoritas e começam a enxergá-lo de forma especial: "Charlie, você vê as coisas. Você guarda silêncio sobre elas. Você compreende"
É um livro que tem trilha musical. Adoro livros que tem trilha musical.
Li o livro em uma madrugada. Acho que foi 4 horas de leitura ininterrupta. Chorei horrores. E no final me identifiquei mais ainda porque #SomosInfinitos.
Quando lançaram o filme assisti imediatamente e pude constatar que foi bem fiel ao livro, até porque o Stephen Chbosky, o autor do livro é roteirista, e se quem entende de roteiro se interessar em ler #AsVantagensDeSerInvisível vai perceber que existem muitas ações visuais no livro, coisa de roteirista mesmooo. ^^
Bom, essas foram algumas das minhas impressões sobre As Vantagens de Ser Invisível. Super recomendo. (5 CORAÇÕESZINHOS/5).